terça-feira, 12 de junho de 2007

Ensaiando a Loucura - como controlar a eternidade.

(Não sei quem é o autor)

Invente um mundo onde a realidade já não flua mais. Imagine-se num autismo existencial e acredite nele. Lese seu senso de realidade. Cerceie as liberdades. Interrompa os processos.

Simplifique, reduza e resuma. Estanque toda dinâmica. Bloqueie os fluxos. Engesse os movimentos. Fixe e congele a existência. Aplaque as pulsões de eternidade.Não implique, não complique, não explique, não se aplique. Simplifique.

Não mergulhe. Permaneça boiando.

Se, para conformar, for preciso deformar, o faça. Informar ou transformar, jamais. Finja que a morte não existe. Negue seus medos. Subestime a decomposição de toda matéria.

Ignore a complexidade da verdade. Sintetize tudo em dogmas. Seja indiferente com as dúvidas. Despreze as indagações. Demonstre apatia e descaso diante das incertezas. Nunca reconheça sua ignorância. Jamais dialogue. Diante de divergências, simplifique: dê as costas ou um murro na mesa. Arrebente (no seu mundo, você tudo pode).


Acredite que pode manipular o outro. Fale muito e nunca ouça. Restrinja. Limite. Domine. Submeta. Subjugue

Não perca tempo com as realidades complexas como o sorriso de uma criança, o canto dos pássaros, o pôr do sol, a lágrima do ancião, a fome do semelhante. Não preste atenção ao mistério de sua própria respiração. Não dê lugar à perplexidade diante do imponderável. Foque sua atenção nas coisas simples como o dinheiro e o reconhecimento social. Acumule riquezas. Busque fama e elogios. Construa monumentos. Acredite no que se vê. Confie nas formas e aparências. Lute por resultados visíveis, cifras e estatísticas. A fé exigiria muito de você. Iluda-se com suas impressões de posteridade. Dê vazão às suas vaidades.

Ter hábitos previdentes em relação à saúde, também é muito complexo. Simplifique: coma tudo que tiver vontade e zombe dos que se preocupam com educação alimentar. Condicionamento físico também exige muita elaboração. Prefira a simplicidade de horas à frente da televisão. Aliás, entre de cabeça na tecnologia e não dê vazão à sensibilidade, algo tão complexo.

Evite relacionamentos pessoais, já que requerem tempo e paciência. Reduza tudo aos contatos funcionais e hierárquicos. Evite afetividades e comunhões. Invista nas estratégias de massificação, seja para se esconder na massa, seja para dominá-la. Resista na trincheira dos preconceitos. Superar discriminações demandaria custosas transformações pessoais. Não lide com o caos humano.

Acredite que você pode enjaular os monstros interiores seus e dos outros. Não confronte o caos resultante de sua mortalidade. Não leve em conta a tragédia interior do próximo.

Não ligue para a consciência. Minimize tudo ao cumprimento de algumas normas, mas não todas. Somente aquelas, em relação às quais, você consegue aparentar obediência. Amordace seus pensamentos ocultos. Seja indiferente aos seus sentimentos maus. Disfarce seus instintos. Crie personagens. Vista todas as fantasias. Com toda imaginação, invente seus próprios cenários. Fraude quem você é e acredite em quem você pensa ser. Oculte as intenções. Simule identidades. Não preste atenção a frustrações e angústias. Mantenha-se indiferente diante das inquietudes da alma. Camufle e disfarce.

Crie muitas leis. Confie nos rituais. Não busque diretamente a transcendência. Atenha-se à simplicidade dos ídolos e dos altares. Escolha o mais fácil e não o melhor. Institucionalize a espiritualidade.

Intoxicado pelas doses de ironia, se não puder evitar, vomite. Mas faça-o no seu travesseiro. Tenha ali seus pesadelos secretamente. Nunca demonstre suas náuseas em público. Nunca confesse suas fraquezas.

Institua seus diques de ironia junto à fonte.

Pronto! As águas jamais fluirão. Você controlou a eternidade.

Parabéns. Você é seu próprio deus neste seu mundo imaginário.

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