sexta-feira, 3 de agosto de 2007

RAÍZES

Mia Couto.

Uma vez um homem deitou-se, todo, em cima da terra. A areia lhe servia de almofada. Dormiu toda a manhã e quando se tentou levantar não conseguiu. Queria mexer a cabeça e não foi capaz. Chamou pela mulher e pediu-lhe ajuda.

- Veja o que me está a prender a cabeça.

A mulher espreitou por baixo da nuca do marido, puxou-lhe levemente pela testa. Em vão. O homem não desgrudava do chão

.- Então, mulher? Estou amarrado?

- Não, marido, você criou raízes.

- Raízes?

Já se juntavam as vizinhanças. E cada um puxava sentença. O homem, aborrecido, ordenou à esposa:

- Corta!

- Corta, o quê?

A esposa puxou da faca e lançou o primeiro golpe. Mas logo parou.

- Dói-lhe?

- Quase nem. Por que me pergunta?

- É porque está sair sangue.

Já ela, desistida, arrumara o facão. Ele, esgotado, pediu que alguém o destroncasse dali. Me ajudem, suplicou. Juntaram uns tantos, gentes da terra. Aquilo era assunto para camponês. Começaram a escavar o chão, em volta. Mas as raízes que saíam da cabeça desciam mais fundo que se podia imaginar. Covaram o tamanho de um homem e elas continuavam para o fundo. Escavaram mais que as fundações de uma montanha e não se vislumbrava o fim das radiculações.

- Me tire daqui, gemia o homem, já noite.

Revesaram-se os homens, cada um com sua pá mais uma enxada. Retiraram toneladas do chão, vazaram a fundura de um buraco que nunca ninguém vira. E laborou-se semanas e meses. Mas as raízes não só não se extinguiam como se ramificavam em mais redes e novas radículas. Até que já um alguém, sabedor de planetas disse:

- As raízes dessa cabeça dão a volta ao mundo.

E desistiram. Um por um se retiraram. A mulher, dia seguinte chamou os sábios. Que iria ela fazer para desprender o homem da inteira terra? Pode-se tirar toda a terra, sacudir as remanescentes areias, disse um. Mas um outro argumentou: assim teríamos que transmudar o planeta inteiro, acumular um monte de terra do tamanho da terra. E o enraizado, o que que se faria dele e de todas as raízes? Até que falou o mais velho e disse:

- A cabeça dele tem que ser transferida.

E para onde, santos deuses? Se entreolharam todos, aguardando pelo parecer do mais velho.

- Vamos plantar a cabeça dele lá.

E apontou para cima, para as celestiais alturas. Os outros devolveram a estranheza. Que queria o velho dizer?

- Lá, na lua.

E foi assim que, por estréia, um homem passou a andar com a cabeça na lua. Nesse dia nasceu o primeiro poeta.

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